O
Mar
O Mar concedeu-me uma entrevista. Tantas vezes discriminado em prol daquele que é aclamado como um dos melhores poetas portugueses , contesta: «Não sou menos que o Homem». Podendo sua frase introdutória parecer de uma vulgaridade fictícia em busca de algo para dizer, a sua veracidade confirma-se. Afinal, o entrevistado é conhecido pela sua profundidade.
Estamos
a 1934. É publicado um livro, «A Mensagem», que, vítima de uma minuciosa
inspeção por olhos curiosos, revela um poema em particular, durante anos (que
certamente se prolongarão) aclamado pelos portugueses: «Mar Português», de
Fernando Pessoa. Merecerá o Mar o título cruel que lhe é atribuído sem
ponderação? Segundo o próprio, não.
Está um dia chuvoso. As coroas de
espuma enfurecem-se em êxtase, formando
turbilhões infinitos, as ondas exaltam-se com uma respiração ritmada, as
ondas eriçam-se com vagar. No entanto, o Mar justifica-se com ciência: «São
tudo fenómenos explicáveis». Contesta por sua vez a ira que lhe é atribuída, e
estabelece uma comparação entre si e a Humanidade, defendendo que «Há coisas
complexas. Os cientistas investigam e, por muito que descubram e rotulem com
palavras latinas, nunca descobrirão o suficiente. Pensando nisto, o mesmo
acontece com as pessoas.
Podem encontrar sentidos para a
vida, construir supostos sucessos, esquematizar cidades, repensar a vida,
encontrar uma lógica para tudo, planear percursos pré-definidos para cada um,
transformando o impensável na realidade usual, assim como podem dizer que sou
feito de moléculas, especificar a sua geometria e constituição, como ganhei o
meu sal – quer em justificações mais concretas cientificamente quer noutras
mais liberais – fundamentar tudo. Podem criar artes, dizer que algo criado ao
desbarato é raro, definir prioridades ridículas. Mas nunca chegarão a perceber
realmente as coisas».
Quando confrontado com o
testemunho poético supramencionado, nega a sua culpa, citando um verso do poema
e alegando que «Nunca fui de ninguém. Nunca irei ser. Nunca deveriam ter
tentado que fosse...». Após uma pausa, acrescenta: «A história repete-se, tanto
com poluição como com lágrimas. Afinal, o indesejável sobra para mim.»
Confundiremos nós, portugueses, origem com destino? O Mar nega
responsabilidades. «Tentativas infrutíferas de domar um ser selvagem têm
consequências. Por alguma razão, nuns sítios sou Pacífico, noutros não. Não
ousem, não usem.», diz ainda.
Nas costas portuguesas,
encontra-se desfraldada a bandeira portuguesa, despedaçada em três cores, como
despedaçados foram os navios que se atreveram a ir contra a fúria das ondas,
como despedaçados foram milhares de corações. No entanto, essa não merece muita
atenção.
Confrontado ainda com um atentado
a uma épica epopeia portuguesa, o entrevistado sorri tristemente. «Portugal é o
réu, eu sou o juiz. Mortes são o crime, mortes são a pena. Resta apenas saber
se o crime vale a pena...», suspira.
Como derradeira conclusão, o Mar é inquirido: será que
esta reportagem pode mudar a mentalidade dos portugueses? Apenas recebo como
resposta uma breve e ríspida frase, acompanhada de um novo suspiro: «Se a alma
não for pequena»çççççç |
Alexandra F. Ramôa Alves, 9ºC
Texto vencedor a nível de escola do Concurso "Eu escrevo! Ler o Mar"
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