quarta-feira, 1 de maio de 2013

O Mar  
A verdadeira interpelação

O Mar concedeu-me uma entrevista. Tantas vezes discriminado em prol daquele que é aclamado como um dos melhores poetas portugueses , contesta: «Não sou menos que o Homem». Podendo sua frase introdutória parecer de uma vulgaridade fictícia em busca de algo para dizer, a sua veracidade confirma-se. Afinal, o entrevistado é conhecido pela sua profundidade.

Estamos a 1934. É publicado um livro, «A Mensagem», que, vítima de uma minuciosa inspeção por olhos curiosos, revela um poema em particular, durante anos (que certamente se prolongarão) aclamado pelos portugueses: «Mar Português», de Fernando Pessoa. Merecerá o Mar o título cruel que lhe é atribuído sem ponderação? Segundo o próprio, não.
Está um dia chuvoso. As coroas de espuma enfurecem-se em êxtase, formando  turbilhões infinitos, as ondas exaltam-se com uma respiração ritmada, as ondas eriçam-se com vagar. No entanto, o Mar justifica-se com ciência: «São tudo fenómenos explicáveis». Contesta por sua vez a ira que lhe é atribuída, e estabelece uma comparação entre si e a Humanidade, defendendo que «Há coisas complexas. Os cientistas investigam e, por muito que descubram e rotulem com palavras latinas, nunca descobrirão o suficiente. Pensando nisto, o mesmo acontece com as pessoas.
Podem encontrar sentidos para a vida, construir supostos sucessos, esquematizar cidades, repensar a vida, encontrar uma lógica para tudo, planear percursos pré-definidos para cada um, transformando o impensável na realidade usual, assim como podem dizer que sou feito de moléculas, especificar a sua geometria e constituição, como ganhei o meu sal – quer em justificações mais concretas cientificamente quer noutras mais liberais – fundamentar tudo. Podem criar artes, dizer que algo criado ao desbarato é raro, definir prioridades ridículas. Mas nunca chegarão a perceber realmente as coisas».
Quando confrontado com o testemunho poético supramencionado, nega a sua culpa, citando um verso do poema e alegando que «Nunca fui de ninguém. Nunca irei ser. Nunca deveriam ter tentado que fosse...». Após uma pausa, acrescenta: «A história repete-se, tanto com poluição como com lágrimas. Afinal, o indesejável sobra para mim.» Confundiremos nós, portugueses, origem com destino? O Mar nega responsabilidades. «Tentativas infrutíferas de domar um ser selvagem têm consequências. Por alguma razão, nuns sítios sou Pacífico, noutros não. Não ousem, não usem.», diz ainda.
Nas costas portuguesas, encontra-se desfraldada a bandeira portuguesa, despedaçada em três cores, como despedaçados foram os navios que se atreveram a ir contra a fúria das ondas, como despedaçados foram milhares de corações. No entanto, essa não merece muita atenção.
Confrontado ainda com um atentado a uma épica epopeia portuguesa, o entrevistado sorri tristemente. «Portugal é o réu, eu sou o juiz. Mortes são o crime, mortes são a pena. Resta apenas saber se o crime vale a pena...», suspira.
Como derradeira conclusão, o Mar é inquirido: será que esta reportagem pode mudar a mentalidade dos portugueses? Apenas recebo como resposta uma breve e ríspida frase, acompanhada de um novo suspiro: «Se a alma não for pequena»
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Alexandra F. Ramôa Alves, 9ºC
Texto vencedor a nível de escola do Concurso "Eu escrevo! Ler o Mar"

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